domingo, 15 de março de 2015

A inesperada (?) virtude da ignorância


Ao final de Birdman, só uma coisa passava pela minha cabeça: Cisne Negro. As semelhanças são muitas: artistas buscando perfeição em seus desempenhos, a procura pelo transcedental e a instabilidade mental e emocional, resultado dessa busca. O filme aborda muitas questões relacionadas ao meio artístico e, a que mais é enfatizada aqui, é o velho e conhecido duelo 'arte versus entretenimento'. Afinal, existe apenas um ou outro?


A película, vencedora do último Oscar de melhor filme, retrata a busca pelo reconhecimento artístico de Riggan Thomson (Michael Keaton), que no passado fez muito sucesso interpretando Birdman, um super-herói que se tornou ícone cultural. Sua carreira decaiu após sua recusa em estrelar o 4º filme da franquia e, para buscar reconhecimento, o ator decide dirigir, roteirizar e estrelar a adaptação de um texto consagrado para a Broadway. No entanto, em meio aos ensaios com o elenco formado por Mike Shiner (Edward Norton), Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough), Riggan precisa lidar com seu agente Brandon (Zach Galifianakis), sua filha (Emma Stone) saída recentemente da rehab e ainda uma estranha voz que insiste em permanecer em sua mente.



Apesar de ser notoriamente um filme de arte - muito instigante, por sinal - ressalto aqui um lado negativo: os estereótipos. A crítica de teatro é odiosa, o ator de método é arrogante e a filha problemática. Embora possamos ver mais de uma faceta em Sam, a filha, fica um pouco difícil decifrar Mike, um personagem muito interessante. No entanto, Riggan é o melhor em termos de profundidade. O que é normal por ele ser o protagonista.


Ao final, algumas dúvidas pairam no ar. Será que para chegar ao transcedental é preciso de hiper realismo? A tal da verdade que o ator passa em cena precisa ser de fato real? É necessário sacrificar tudo em nome da arte? Ou seria pelo prestígio? O filme levanta mais dúvidas e discussões do que respostas. Nada fica claro e isso abre margem para diversas interpretações. Vi apenas uma vez e estou escrevendo essa resenha imediatamente após assistir o filme. Então, não sei exatamente o que deduzir. Mas acho que essa é a graça. A arte está aí para isso, confortar o perturbado e perturbar o confortável. Será que finalmente cheguei a uma conclusão?

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A complexidade de uma vida ordinária


Acho que o nome desse blog nunca foi tão pertinente. Lendo as minhas últimas postagens, percebi que o tema cult é muito recorrente, pois costumo escrever sobre obras que retratam a vida com a maior fidelidade possível. O filme de hoje tem essa característica e mexeu muito comigo, pois é íntegro com a realidade: Boyhood, uma obra-prima do cinema. Assisti há quase uma semana e, desde então, venho procurando as palavras certas para escrever. Essa é a minha tentativa.

A película me encantou desde a primeira cena. Sou dessas pessoas que acreditam que a arte, apesar de suas mais abstratas formas, quando retrata a vida com realismo, é uma das coisas mais valiosas e belas que existem. Parafraseando Ferreira Gullar, a arte existe porque a vida não basta. Não poderia concordar mais. É através dela que tenho a reconfortante sensação de que não estou sozinha. 


Escrito e dirigido pelo gênio Richard Linklater, o filme retrata a história de um casal de pais divorciados (Ethan Hawke e Patricia Arquette, excepcionais) que tenta criar seus filhos Mason (Ellar Coltrane, incrível) e Samantha (Lorelei Linklater). A narrativa foca na vida de Mason durante um período de doze anos, da infância à juventude, e analisa sua relação com os pais conforme ele vai amadurecendo.


Obrigada pelo comprometimento, Richard, elenco e equipe. Não foi apenas devido ao fato de ele ter sido filmado em doze anos, acompanhando realmente o crescimento do protagonista e o envelhecimento dos atores, que me fez apaixonar pela obra. Mas sim por ela retratar com tanta poesia uma história aparentemente comum. Boyhood mostra que a tal da "vida ordinária" não é sinônimo de uma jornada sem graça. Temos nossos altos e baixos e somos complexos. E ao final, ficamos aliviados ao ver que Mason, apesar das adversidades e dos percalços da vida, sobreviveu com dignidade. E nós também. 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Metalinguagem cinematográfica


Eu adoro filmes que falam sobre filmes. Como uma amante da sétima arte é inevitável não gostar do tema. Metalinguagem me fascina. E o filme que escrevo hoje é ainda mais especial para mim, pois fala de críticos de cinema. Não estou afirmando que eu seja uma, mas sou jornalista, amo cinema e, inclusive, o tema da minha monografia foi este, a crítica de cinema. 

Quem me apresentou O Crítico foi meu irmão. Ele tinha ido assistir e me contou a história. Confesso que eu estava meio por fora e não sou grande conhecedora do cinema argentino, mas fui correndo assistir quando soube do tema. Eu ia ver Boyhood, mas estava sem sessão. Decidi então optar por este filme. Vamos à sinopse: Víctor Tellez (Rafael Spregelburd) é um crítico de cinema exigente e prestigiado que odeia comédias românticas e acredita que o melhor da sétima arte está no passado. Amargo e mal humorado, ele procura um apartamento e conhece Sofía (Dolores Fonzi), bela e com gostos opostos aos seus. Tellez tenta, mas não consegue evitar que sua vida se transforme a partir de então em um romance clichê.


Eu me encantei. Adorei a metalinguagem, o exagero dos estereótipos (propositais, para apresentar um ponto) tantos dos críticos, quanto das comédias românticas. Simplesmente sentei e me deliciei com a obra. Despretensiosa, sim. Mas que transmite uma mensagem. É isso que gosto de ver. Cinema de boa qualidade sem ser pedante. Que respeita o telespectador. E você pensa que lendo isto já descobre o final? Só te digo uma coisa: assista. Você vai gostar mesmo se não for amante de cinema. Mas se, como eu, você for apaixonado por esta incrível arte, vai se encantar ainda mas com esta deliciosa obra do cinema argentino. Super recomendado!  

sábado, 8 de novembro de 2014

Tavi Gevinson e porque precisamos ver mulheres multifacetadas no cinema e na TV


Eu sei, eu sei... esse blog é de resenhas de cinema. Mas já que é meu, por que não mudar? E minha pauta de hoje não deixa de ser relacionada ao tema. Vamos lá! Eu acabei de ver um vídeo que me deixou muito inspirada. E preciso falar sobre isso, colocar pra fora. E, para mim, nada melhor do que fazer isso escrevendo. O que me inspirou foi um discurso da Tavi Gevinson no TED há 2 anos. Sim, estou atrasada. Mas nunca é tarde para descobrir coisa boa, não é?

Afinal, quem é Tavi Gevinson? Tavi é uma menina prodígio, daquelas "gênias" mesmo, com maturidade e inteligência fora do normal. Ela ficou conhecida por ser uma das blogueiras de moda mais jovens do mundo. Aos 11 anos, com o blog Style Rookie, ela ganhou o mundo por causa do seu estilo com referências inteligentes e ideias transgressoras. Aos 12, já assistia desfiles na primeira fila das melhores semanas de moda . Atualmente, aos 18 anos, é editora da revista Rookie Magazine, criação própria, uma extensão de seu blog. Sem contar que Tavi já se aventurou no cinema, no ótimo “À Procura do amor”, que falei aqui. E este ano está estrelando uma peça na Broadway, This Is Our Youth!

Essa introdução já diz muito, né? Eu lembro de, há alguns anos, ler sobre uma blogueira de moda pré-adolescente e ficar chocada – negativamente – com isso. Puro preconceito meu, admito. Pois ela é muito mais. Lendo sobre Tavi, descobri que ela decidiu se distanciar do mundo da moda por ver que aquele universo de desfiles high fashion, consumo desenfreado e corpos com padrões a seguir, mais aprisionava que libertava, o que sempre acreditou ser o propósito da moda.

Sobre o vídeo, Tavi fala de personagens femininas na cultura pop. Ela evidencia a falta de facetas delas, mas destaca as poucas e boas que existem no cinema e na TV. Tavi cita Tina Fey, com seu 30 Rock (sensacional), Kristen Wiig com Missão Madrinha de Casamento (adoro!), Lena Dunham com Girls (excepcional), que já falei aqui e aqui, entre outras.
  

O que eu quero expressar aqui é a importância de meninas e mulheres como Tavi, Lena, Tina e Kristen, de mostrarem na cultura que mulheres são muito mais que estereótipos. Mulheres são complexas como todo ser humano. Nossa cultura é recheada clichês e personagens, principalmente femininas, sem múltiplas facetas. Acho que está aí a resposta da minha preferência por filmes independentes. São nessas obras que costumam ser retratadas pessoas reais. Eu não sou um estereótipo, um clichê. Sou multifacetada, complexa. E não conheço ninguém unidimensional, mulher ou homem. Por isso, vou encerrar esse texto com uma frase incrível de Tavi na palestra: “Mulheres são complicadas... não porque são malucas, mas porque as pessoas são malucas, e mulheres são pessoas.” Sem mais.


Para ver o vídeo, clique aqui. Enjoy!

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Quando o medo da decepção pode nos sabotar

Eu adoro um filme independente. Gosto bastante. Mesmo que o gênero tenha virado uma espécie de clichê no meio cinematográfico, especialmente no cinema americano, eu me arrisco e vejo qualquer um do estilo. Quando vi que a incrível Julia Louis-Dreyfus, mais conhecida por interpretar Elaine na obra prima Seinfeld, e arrasar na pele de Cristine em The New Adventures of Old Cristine, protagonizou uma “dramédia” após 17 anos sem atuar no cinema, não pude deixar de conferir. "À procura do amor", ou melhor, "Enough Said", nome original, entrou para a minha listinha. No entanto, só fui assistir quando estreou no Telecine, em uma segunda tediosa.


O longa conta a história de Eva (Julia Louis-Dreyfus), uma massagista divorciada e mãe solteira que teme a partida da sua filha para a faculdade. Ela logo começa um romance com Albert (James Gandolfini), um homem engraçado que está vivendo um momento muito parecido com o seu. Só que esse relacionamento será ameaçado com a chegada de sua nova cliente, Marianne (Catherine Keener), que é também ex-mulher de Albert.

O que os dois têm em comum? A tal da síndrome do ninho vazio, como é chamada nos Estados Unidos. O “ritual”, muito mais comum neste país, acontece normalmente quando os filhos, aos 18 anos, saem de casa para morar na faculdade. Este foi um fator em comum que aproximou ainda mais os dois.


É quase redundante falar que as atuações dos protagonistas são maravilhosas. Naturais, como a cartilha do cinema independente pede, Dreyfus e Gandolfini têm uma química excelente e sem esforço. O timing cômico de Julia aqui é mais que visível e a atriz se sai muito bem também nas cenas mais dramáticas. James, que faleceu após concluir o filme, e foi muito famoso por interpretar o mafioso Tony em Os Sopranos, está leve, confortável em seu papel. Algo que não imaginaríamos quando pensamos neste ator. Versatilidade é tudo.  


O filme narra a história de amor entre pessoas maduras, divorciadas. Uma sinopse que requer um público específico? É aí que você se engana. A história é universal. Afinal, existe coisa mais humana que sabotar os possíveis futuros relacionamentos por medo de sofrer? Acredito que não. Não entendeu o que isso tem a ver com o filme? Então assista. Duvido que vá se arrepender.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Os limites da amizade

Cinema com diálogos. É disso que eu gosto. Pessoas se expressando, identificação através de palavras, de gestos, de olhares. Não apenas clichês e efeitos especiais que tornam tudo mais lúdico e, por isso mesmo, menos realista. A vida é feita dos diálogos, tantos os que falamos, quanto os que deixamos de falar. E quando o cinema nos traz uma obra que retrata realisticamente e naturalmente o que acontece conosco, ela ganha um ponto extra comigo.

O cinema mumblecore trouxe essa proposta: produzir filmes que tenham em seus diálogos a força necessária para transmitir através da obra o que acontece na vida. Porque na vida não temos sempre a resposta pronta, nem temos a soluções rápidas para nossos problemas. E, na maioria das vezes, ninguém vai nos salvar de nada. A vida simplesmente acontece. O que é, afinal, esse movimento? O mumblecore, “geração do resmungo”, em inglês, é o nome dessa onda do cinema norte-americano de filmes independentes. É um movimento artístico que ganhou força após o 11 de setembro. É um cinema autoral, que tem nos diálogos a sua principal força. São pessoas comuns, passando por problemas que todos passamos. Flexibilidade nos roteiros, improviso, utilização de captura digital de imagens e o fator confessional das histórias contadas na tela são as marcas do movimento.

E nem preciso dizer que sou fã do movimento, né? E que filmes como Frances Ha e séries como Girls fazem parte dele e, por isso, figuram na lista dos meus favoritos. Bem, toda essa divagação faz parte da introdução de um filme de um diretor muito importante do movimento, Joe Swanberge que me tocou muito: Drinking Buddies

O filme tem a história centrada em Kate (Olivia Wilde) e Luke (Jake Johnson), dois amigos funcionários de uma fábrica de cerveja. Com gostos parecidos, os dois sempre flertaram um com o outro, mas nunca entraram em um relacionamento, porque Luke está pensando em se casar com sua namorada, e Kate namora um produtor musical. Como diz o título, eles, além de amigos, são "parceiros de copo", passam os dias a beber, jogar sinuca, beber de novo... Os dois são claramente perfeitos um para o outro, embora sejam comprometidos. O filme mostra justamente até onde essa "linha" da amizade entre homens e mulheres, pode ser ultrapassada. 



É aí que o cinema autoral mostra todo o seu diferencial. O filme aponta de forma crua o que de fato acontece nesses relacionamentos. Pontos para o diretor, que deixou os atores à vontade para improvisar suas cenas. Inclusive, o filme não tinha um roteiro com falas definidas. Swanberg dava os "esqueletos" das cenas para os atores e falava para eles as desenvolverem a partir daquilo. Além desse fator, soma-se a química perfeita entre Wilde e Johnson. A improvisação deu mais que certo, como é provado numa cena de conversa entre entre Kate e Luke. Ela fala o seguinte: "That's the problem with heartbreak, is that to you it's like an atomic bomb and to the world it's just really cliche, because in the end we all have the same experience". Sensacional! 


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A obrigação de crescer e amadurecer


Como gosto de ressaltar aqui frequentemente, me admira cada vez mais a capacidade do cinema de despertar a identificação através de uma obra. Posso afirmar que é através dessa identificação que encontramos a catarse necessária para enfrentar e lidar com a realidade. Pelo menos, é o que acontece comigo. 

É com essa introdução que venho apresentar Frances Ha, um dos melhores filmes que vi este ano. Muitas foram as comparações que vi, nas críticas que li, com a série Girls, de Lena Dunham. No entanto, apesar de eu ser completamente apaixonada pela série de Dunham, como já mostrei aqui e aqui, "Frances" desponta como uma obra menos crua esteticamente e, embora mais doce, é também triste e melancólica.   

Vamos à história: Frances (Greta Gerwig) divide um apartamento em Nova York com Sophie (Mickey Sumner), sua melhor amiga. Brincalhona e com ar de quem não deseja crescer, ela recusa o convite do namorado para que more com ele justamente para não deixar Sophie sozinha. Entretanto, a amiga não toma a mesma atitude quando surge a oportunidade de se mudar para um apartamento melhor localizado, mesmo que isto signifique que ela e Frances passem a morar em locais diferentes. A partir de então tem início a peregrinação de Frances em busca de um novo lugar que se adeque às suas finanças, já que ela é apenas aluna em uma companhia de dança à espera de uma chance de integrar o grupo de bailarinos que encenará o espetáculo de Natal. Mesmo diante das dificuldades, Frances tenta manter o alto astral diante os problemas que a vida adulta traz.

Achamos que ao sair da faculdade caminharemos rumo ao crescimento pessoal e profissional rapidamente. Mas as coisas não são assim e é nesse período que muitos de nós somo obrigados a crescer e amadurecer, por mais que muitas vezes relutemos. O mais impressionante é nos darmos conta de que, além de não estarmos onde e como imaginávamos, também vermos que os nossos sonhos estão bem longe virarem realidade.

E é sobre isso o filme dirigido por Noah Baumbach. A obra traz uma leveza, ao mesmo tempo em que é um "wake up call" para essa geração, a minha geração. Todos nós crescemos, mas não necessariamente amadurecemos. Mais uma vez ressalto a importância da arte, pois é através dela que enxergamos de forma mais ampla o que ocorre em nossa volta. Espero que não aconteça apenas comigo. 



OBS: Não posso deixar de citar duas cenas que, na minha opinião, foram as melhores do filme: a cena de Frances dançando ao som de Modern Love, de David Bowie e uma linda cena de uma conversa em um jantar. Maravilhosas!